Ócio criativo: o que é e como aplicar a ideia para otimizar o home office
Quanto tempo você anda destinando a lazer, cultura, estudo, trabalho, família, amigos e sei lá mais o quê nesses dias de quarentena? É como se fosse tudo-ao-mesmo-tempo-agora?
Talvez você sinta que sim, se fizer parte do grupo que está se isolando em casa. E não necessariamente isso é uma coisa ruim. Essa "confusão" entre as diferentes esferas da vida pode ser, isso sim, uma boa forma de ativar a criatividade.
Digo isso remetendo às ideias do sociólogo italiano Domenico De Masi, que em 1995, muito antes da Covid-19 e suas consequências, falava do conceito de ócio criativo, no livro homônimo, e o vinculava ao trabalho remoto.
Em um texto recente publicado na Folha de S. Paulo, o autor comentou a situação na Itália e voltou a falar no que classificou como a transformação do "ócio depressivo em ócio criativo, conjugando a leitura, o estudo, o lúdico com a parcela de trabalho que é possível desempenhar dentro do regime de 'smart working".
São tempos férteis para o ócio criativo. Mas antes de pensar em como ele funciona na prática, vamos entender o conceito.
Não é o ócio que você está pensando
O ócio criativo decorre da junção entre estudo, trabalho e diversão. E ócio, para De Masi, não é não fazer nada (o tal dolce far niente italiano). "É ócio no sentido de atividades não físicas, como filosofia, política e estudos."
Trabalhar, aprender e se divertir ao mesmo tempo, entende? É, por exemplo, a atividade de dar aula para um professor que ama o que faz.
"O ócio criativo é aquela trabalheira mental que acontece quando estamos fisicamente parados, ou até dormindo à noite. Não é não pensar. Significa não pensar com regras obrigatórias, mas é um ócio alimentado por estímulos ideativos e interdisciplinaridade. (…) O cérebro precisa de ócio para produzir ideias", escreveu ele em 1995.
Ok, e como utilizar o conceito de ócio criativo em tempos de isolamento? Primeiro, eu diria, redimensionando o papel do trabalho em si na rotina.
Reorganizando a rotina de trabalho
Combata o "overtime". O fenômeno que De Masi chama de "overtime", esticar a jornada de trabalho mais do que deveria, mina a criatividade e prejudica as emoções, porque limita a convivência familiar — mesmo que esteja todo mundo em casa, porque você estará de corpo presente, mas focada em outra coisa.
Resista, se puder, a essa tendência, mesmo se o seu gestor ou a sua gestora ainda forem simpáticos a esse conceito antigo de produtividade. Você pode ter uma longa quarentena pela frente e precisa otimizar seu home office.
Se puder, considere reduzir os dias de jornada. Reduzir a jornada clássica não só em horas, mas em dias da semana. Se for autônoma, por exemplo, terá mais facilidade de aderir à ideia. E não se preocupe: mesmo não trabalhando todo dia, as ideias continuarão com você, então se algo bacana para o trabalho surgir, é só anotar e começar a atuar.
Observe: sua concentração pode estar maior. Em home office, a gente tende a trabalhar mais tempo sem perceber, porque passa a ser menos interrompida por colegas e pedidos externos e a se concentrar mais. É lei? Não. Mas é comum acabar percebendo que rende muito mais em menos horas e que, mesmo assim, estava esticando a jornada. Como saber se é o seu caso: observando-se.
Monitore a rotina recém-criada para ajustá-la. Fazer a gestão do seu tempo, mas também e principalmente estar atenta a como tem utilizado esse tempo.
Mais do que nunca é hora de organizar a agenda do dia, estabelecer as tarefas prioritárias (sozinha ou alinhando com a gestão) e estar atenta a si mesma.
Está conseguindo trabalhar em blocos de atividades semelhantes? Levantou-se quantas vezes da cadeira? Quantas vezes foi interrompida? Quantas espiou o celular sem precisar? Bebeu água? Quanto tempo está levando para as mesmas tarefas que fez ontem ou dias atrás? Fez pausas para estudar algo? Divertir-se? Praticar um hobby? Como se sentiu e trabalhou depois?
Você pode tomar nota disso tudo durante alguns dias para se monitorar e analisar o que pode mudar. Escrever todas as atividades com horário é uma técnica conhecida de gestão de tempo, que ajuda a trazer consciência à rotina em casa e alterar o que for preciso.
Negocie a jornada por entrega. Caso haja abertura e sua área de atuação permita, essa será uma das maiores mudanças rumo à prática do ócio criativo. Em vez de monitorar a produtividade por horas trabalhadas, monitorá-la por entrega, ou seja, pela qualidade do trabalho executado, finalizado em determinada data.
Isso permite que você alterne com mais liberdade as tarefas do trabalho convencional com as lúdicas e de estudo, que semeiam as ideias, ativam a criatividade e resultam em melhorias em tudo o que faz.
E aí, sim, podemos entender quais são as providências pró-ócio criativo na prática.
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Estudo, trabalho e diversão: um por todos, todos por um
Aumente a sua jornada de "não trabalho". Não custa repetir: produtividade não é ficar ocupado o tempo todo, é fazer mais do que é mais importante. Ao que pergunto: o que é mais importante agora pra você?
Imagino que tenha te vindo à mente mais do que os números de entrega ligados ao trabalho, certo? A saúde importa, a mente sã importa, a família importa, o bem-estar coletivo importa e assim por diante. Você sabe qual a sua resposta.
Trago essa ideia para redimensionarmos o tempo e a energia que dedicamos ao "não trabalho" agora. É uma excelente fase para entender como ele não é fútil!
Todas as atividades que não são trabalho, de ficar no sofá com alguém da família que está em quarentena com você a se engajar num projeto social virtualmente, podem ser tão ou mais importantes no momento.
Portanto, se puder, aumente e desfrute sua jornada de "não trabalho". Pode não parecer, mas ela faz parte da equação de ócio criativo e pode perfeitamente continuar em posição de destaque quando a situação em torno da Covid-19 arrefecer.
Abrace hobbies sem culpa e sem pressa. Fácil imaginar como praticar um hobby amplia a visão, descansa a mente e contribui para aumentar a criatividade.
Pense em uma atividade que entretenha, distraia, dê prazer e não venha com intenção de ser útil. Aprender um instrumento, ler livros físicos ou com o dispositivo de leitura offline, fazer alguma atividade manual, desenhar, pintar, plantar, jogar…
Comece a fazer aquilo que sempre teve vontade de tentar em casa e não se pressione para performar maravilhosamente — não é o objetivo!
Aceite o descanso, mesmo em horas atípicas. Descansar a mente é parte de torná-la mais criativa, De Masi já apontava nos anos 1990, e tantos estudos vêm comprovando desde então.
Além de prezar pela qualidade do sono, falo aqui das pausas para descansar durante o dia, não necessariamente para uma soneca, mas justamente para abraçar uma das atividades de ócio criativo sobre as quais falo aqui.
Faça as pazes com as pausas. Sob essa ótica mais ampla, elas fazem parte do trabalho.
Cuide para não cair no monotema. Procure fontes confiáveis de informação e tente se manter com elas, uma ou duas vezes ao dia, fazendo uma espécie de dieta de notícias.
Mais do que compreensível que você queira saber tudo o que puder sobre o coronavírus, mas fazer isso o dia todo sem parar não ajudará muito na sua sanidade mental nem fará um serviço por sua produtividade e sua criatividade. Informe-se de forma a manter também espaço para aprender sobre novos temas.
Aliás, os males do monotema valem para a espera profissional também.
Para conduzir sua mente a um estado de ócio criativo, procure saber de diversos assuntos, com pluralidade de disciplinas. Essa lógica multidisciplionar ajuda no processo criativo.
Faça sua curadoria de arte, cultura, estudo e lazer. Vamos chamar aqui de atividades e atitudes pró-ócio criativo todas essas esferas não diretamente relacionadas à principal atividade que você faz para ganhar dinheiro. Todas as formas de arte e cultura, de pintura a audiovisual e livros, todos os temas de estudo que te interessem, todas as formas de lazer que puder fazer nesse período. Sim, o passatempo também tem valor.
É sobre começar a ter um olhar mais cuidadoso para essas esferas, usando a sugestão de De Masi de observar a pluralidade e a interdisciplinaridade para enriquecer seu repertório.
Que temas te provocam curiosidade? O que te encanta na arte e te faz ficar com vontade de ver mais? Que assunto te intriga? O que te faz rir ou se encantar?
Liste os assuntos e os materiais que pretende consumir nesse período e livre-se da culpa de dedicar muitas horas à mais banal das tarefas, sabendo que faz parte do ócio criativo!
Essa é uma das mais deliciosas listas de se fazer e pode ser a diferença entre você se sentir entediada nessa fase ou em pleno processo de aprendizado e criando — uma baita diferença!
Apenas uma ressalva nesse tópico: não confundir fazer uma bela curadoria de conteúdos com lotar suas horas livres com eventos online ou lives de Instagram para assistir, cursos para fazer, mil hobbies para iniciar. Escolha o que te interessa de fato.
Há espaço para essas atividades, para o trabalho e para fazer nada também, o espaço vazio na agenda não é um vilão.
Mesclar momentos de pressa e calmaria faz parte, defendeu lá atrás De Masi, e faz ainda mais sentido nesse período. Então fazer a curadoria do que estou chamando de atividades e atitudes pró-ócio criativo não significa tornar isso um trabalho, no sentido de obrigação, labuta, pressão, atividade que te leva ao estado de exaustão.
Entendido?
Encontre suas atividades de "flow". Por fim, dedicar-se a si mesma — eis uma das atividades mais importantes sob a ótica do ócio criativo, assim como dedicar-se a família, amigos e sociedade, ainda que remotamente.
Aqui destaco especialmente a investigação do seu estado de flow, ou de fluxo, termo cunhado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi para falar sobre o que chama de engajamento criativo. É como se você perdesse a noção de tempo e de espaço enquanto realiza algo, o que aumenta a confiança, ajuda a lidar com situações difíceis e melhora os relacionamentos.
Reflita: que atividades te fazem se sentir assim, sem nem perceber o tempo passar e com prazer? Inclua mais delas na rotina!
Ao final, conhecer o que te leva ao estado de flow ajuda a dosar melhor as atividades que fazem sentido para o seu processo de ócio criativo, levando a mais produtividade no trabalho e fora dele e principalmente a mais felicidade.
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